Escolher e preparar o bacalhau para a ceia

Não é um jantar igual aos outros, pela época, pelo contexto, pela tradição. É uma refeição especial e em família. Por isso, não há como facilitar no que vai à mesa. Lombos, de preferência.

Reza a história antiga que o bacalhau entra na ementa da ceia de Natal de forma natural, com algum esforço do corpo, é certo. Há muitos anos, a semana que antecedia a quadra era período de alguma abstinência à semelhança da Quaresma, segundo as regras da Igreja, e era tradição comer bacalhau na noite de 24 de dezembro. O hábito perdurou. O bacalhau manteve-se na ementa como protagonista principal, embora o polvo e o peru lhe façam sombra em alguns lugares. Mas nada que o ofusque.

Não há grande voltas a dar. Nos salgados, o bacalhau é rei e senhor da consoada de Natal e a clássica das mais clássicas receitas ordena que seja cozido e servido com batatas, couves, ovos, e regado com bastante azeite. Mais tradicional não há. As quantidades dependem sempre do número de pessoas à mesa. A apresentação, ora mais simples, ora mais sofisticada, é ao gosto da família da casa. Não há cerimónias.

Mas se há tanto bacalhau, como escolher e o que comprar para uma ocasião tão especial como esta? Há dicas que circulam um pouco por toda a parte para desfazer dúvidas. A qualidade não é medida ao peso e o tamanho não importa. Se é grande não quer dizer que é melhor, se é pequeno não significa que é mau. Com a cura, como quem diz a secagem do bacalhau, a conversa é outra. Quanto mais tempo, mais textura ganha. Outra coisa. Se dobra na zona do lombo, pode não estar bem seco. Se há sinal de humidade junto à espinha, idem aspas.

É preciso ter olho e tato no processo de seleção. Demasiado pálido é para desconfiar, com manchas não é para comprar. E o verdadeiro bacalhau do Atlântico Norte, caso seja essa a preferência, tem cauda direita, corte reto, e não em V. Tudo isto tem, na verdade, bastante que se lhe diga.

Na hora de escolher o chef Óscar Geadas, do premiado G Pousada, em Bragança, prefere bacalhau de cura amarela, cura tradicional portuguesa, ao ar livre, bem feita, como deve ser – dizem que é a que faz o melhor dos bacalhaus. É salgado e passa 120 horas a secar, quase o dobro do que o processo normal. Lombos altos e peixe bem seco, aconselha o chef transmontano. Depois, é preciso pô-lo de molho. “Demolhá-lo durante dois dias com água abundante e gelo, mudar a água p elo menos duas vezes durante esses dias”, recomenda.

Natal que é Natal tem bacalhau. A escolha depende do gosto e da carteira de cada um. A chef Justa Nobre chama a atenção para esse grande detalhe. “Compra-se conforme a carteira de cada um”, comenta. Tenta-se o melhor, mas nem sempre isso é possível. Pode ser seco ou já demolhado e congelado para não dar tanto trabalho. Mais alto ou mais baixo, mais lombo ou mais rapado, mais peças para a cauda, mais partes para a cabeça, com mais ou menos espinhas.

Na ceia de Natal, a chef Justa Nobre faz a receita mais tradicional, bacalhau cozido em água. E lembra o ditado popular: “Bacalhau fervido, bacalhau cozido.” Não pode estar muito tempo ao lume. Em todo o caso, há outras opções, como lembra, principalmente se a família é grande. Uma possibilidade é confitar o bacalhau no forno. Não dá trabalho, liberta o fogão para outras iguarias, e não desarruma a cozinha. Ela explica. Partes de bacalhau, lombos são melhores para este prato, dispostas num tabuleiro ou num pirex, uma peça por cada membro da família. Cobrem-se de azeite, coloca-se alho, folhas de louro e uns pezinhos de tomilho. Tudo no forno, quando começar a fervilhar, desliga-se o botão, e deixa-se mais 10 minutos. Depois é só tirar e colocá-lo na mesa. “Sai impecável, sai às lascas, parece um baralho de cartas”, garante. O processo de confitar bacalhau, desta forma, não deve demorar mais de uma hora no forno. E o azeite que sobra, passado por uma rede, pode ser aproveitado para a roupa-velha do dia seguinte ou guardado para outros pratos de bacalhau. Nada se desperdiça.

O chef Óscar Geadas usa bacalhau fresco. Como preparar? Ele explica como faz. Água numa panela, quando ferve desliga o fogão, coloca o bacalhau, mete o testo, e deixa cozer durante oito a 10 minutos conforme a grossura do peixe. É importante não deixar passar do ponto. E, outra nota, o bacalhau vai sozinho a cozer, nada de misturar tudo na mesma panela, já que cada alimento tem o seu tempo de cozedura. Na ceia, opta pelo tradicional, bacalhau com couve penca, raba, que é um tubérculo bastante usado na cozinha transmontana, um híbrido adocicado, que não é nabo nem beterraba. E ovos cozidos.

A chef Justa Nobre tem outra sugestão para o acompanhamento, além da mais tradicional, ou seja, camadas alternadas de grão e de couve cozidos e esmagados e depois salteados separadamente. E vai ao forno.

Natal rima com bacalhau e tradicional, já se sabe. No entanto, é sempre possível confecionar pratos alternativos. Com bacalhau, claro. Bacalhau no forno com broa, com camarão, com maionese, com grelos, com o que a família mais gosta. Frito é que não convém. Não rima com a época, de facto.

Texto de Sara Dias Oliveira